
A ideologia do branqueamento implementada ao longo dos anos juntamente com o mito louvado da democracia racial – pela qual o Brasil é reconhecido mundialmente - foram metas sociais construídas para apagar a herança afrikana e impossibilitar a afirmação do seu povo em diáspora, que resiste, numa colonização que já perdura por 5 séculos (pois ainda não acabou). O projeto político de extermínio de população negra em suas diversas facetas ataca sistematicamente os corpos negros, desde o epistemicídio que é a negação da própria história/identidade ao genocídio propriamente dito que ceifa vidas diuturnamente.
A mídia tem cumprido papel fundamental para a perpetuação de uma supremacia racista branca, negando representatividade valorativa e deturpando culturalmente a trajetória dos povos afrikanos no Brasil. Em se tratando de uma sociedade impactada pelos reflexos de uma abolição inconclusa, nutrida de racismo e também de opressões de gênero, as mulheres negras enfrentam desafios históricos pela garantia de sobrevivência de seu povo, recaindo sobre elas – nós - o peso de diversas opressões que nos violenta, marginaliza, exclui, inferioriza e objetifica reforçando o imaginário racista de superioridade e destruindo a auto-estima de quem é verdadeiramente protagonista dessa história.
Diante das inquietações cotidianas que brotam de uma dívida histórica inquestionável, hoje já ocupando diferentes espaços sociais, um grupo de mulheres negras resolve se unir em círculo de força ancestral e intervir na sociedade atual que ainda nos violenta com suas mazelas, suas heranças, seus ransos e tantos muros a serem rompidos. Com objetivo de protagonizar a mulher negra enquanto detentora de força, autonomia, poder, beleza, e tantos outros valores a serem (des)construídos, a comunicação, o audiovisual, as artes em geral devem também cumprir o papel de criação e disseminação dos referenciais valorativos aos quais carecemos.
Assim, nasce o KISIMBI- Núcleo de Pretas Produtoras, um coletivo autônomo e auto-organizado de jovens mulheres negras de diferentes áreas que busca através das mais diversas linguagens colocar em pauta o protagonismo da mulher negra, tendo uma perspectiva educativa, valorativa, questionadora e afrontiva. Através da produção de ensaios fotográficos, obras audiovisuais, intervenções artísticas buscamos abordar midiaticamente questões referentes ao povo negro em diáspora, reafirmando valores, criando referenciais positivos, desmistificando preconceitos e escancarando nossas dores. Não dosaremos a mão para exaltar nossa beleza, bem como não mediremos palavras para expor nossas revoltas.
Nos voltamos para a ancestralidade afrikana para perceber que não somos herdeiras do conformismo, da submissão, da escravidão, diferentemente de como somos retratadas, nossas origens são de guerreiras, rainhas, governantes, chefes de famílias e de nações, também das lavadeiras, das feirantes, das ambulantes, das domésticas, todas guerreiras que suportaram o peso histórico de carregar nas costas e no ventre a responsabilidade da continuidade de seu povo. Essas histórias precisam ser contadas, nas escolas, na mídia, nas comunidades, nos livros, e quem deve contá-las somos nós mesmas. Aqui estamos!